Texto 3- O que foi a Revolta da Chibata?
Paula Takada (paula.takada@abril.com.br)
João Candido Felisberto, líder da Revolta da Chibata. Fonte:
Associação Cultural do Arquivo Nacional
No início do século 20, a maior parte dos trabalhadores da Marinha
brasileira era composta por mulatos e negros, escravos libertos ou filhos de
ex-escravos. As condições de trabalho eram precárias: os marinheiros tinham
remuneração baixa, recebiam péssima alimentação durante as longas viagens nos
navios e, o mais grave, estavam submetidos a punições corporais, caso
desobedecessem alguma regra.
Mais de duas décadas
após a abolição da escravidão, a prática de castigos físicos ainda era comum na
Marinha brasileira. Punições típicas do período colonial haviam sido revogadas
com a Proclamação da República, em 1889, e reintroduzidas pelo Decreto 328, de
abril de 1890. O rebaixamento de salário, o cativeiro em prisão solitária por
um período de três a seis dias, a pão e água, para faltas leves ou
reincidentes, e as 25 chibatadas para faltas graves eram penas regulamentadas
em plena República.
Esse contexto revoltava
centenas de marujos que durante os anos de 1908 e 1909 passaram a se organizar,
buscando, sem sucesso, negociar melhorias trabalhistas com o governo. No dia 21
de novembro, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes, acusado de embarcar
com uma garrafa de cachaça, foi violentamente punido não com 25, mas com 250
chibatadas, na presença de todos os tripulantes.
O castigo exagerado do
marujo levou ao início da revolta, no dia 22 de novembro, com a participação de
cerca de 2.300 marinheiros que, liderados por João Cândido Felisberto, tomaram
o controle dos encouraçados Minas Gerais, São Paulo e do cruzador-ligeiro Bahia
(recém-construídos na Inglaterra) e do antigo encouraçado Deodoro. Uma carta
reivindicando melhores condições de trabalho e modificações na legislação penal
e disciplinar com destaque para a extinção das chibatadas foi enviada ao
governo. Com os canhões das embarcações apontados para a cidade do Rio de
Janeiro, os marinheiros ameaçavam bombardear a capital do país, caso suas
exigências não fossem atendidas.
O governo cedeu às
pressões dos marujos e em 27 de novembro de 1910 a chibata foi abolida da
Marinha de Guerra brasileira. Oficialmente, a anistia estava garantida aos
revoltosos liderados por João Cândido - que a partir desse momento, passou a
ser tratado pela imprensa como o "Almirante Negro". No dia seguinte,
porém, o presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca assinou o decreto
8.400 que permitia a exclusão da Marinha de qualquer marujo cuja presença fosse
julgada inconveniente por seus superiores. Repressão
violenta na Ilha das Cobras
Segundo o historiador
Marco Morel, cerca de 1.200 homens foram expulsos da Marinha, centenas foram
presos e outros 30 foram assassinados. As prisões do Batalhão Naval localizado
na Ilha das Cobras, na baía de Guanabara, estavam lotadas e, em 9 de dezembro,
uma nova rebelião foi iniciada. O governo rapidamente reprimiu a insurreição e
usou a situação para suspender a anistia oficialmente anunciada semanas antes.
João Cândido então foi
preso, acusado de liderar a recente rebelião. Na noite de 24 de dezembro,
véspera de Natal, 31 marinheiros foram trancados em duas pequenas celas
repletas de cal, que teria sido utilizada para higienizar o ambiente. No dia
26, quando os funcionários do cárcere voltaram ao trabalho, apenas dois marujos
sobreviviam: João Cândido e João Avelino Lira.
Bastante traumatizado e
tendo alucinações, João Cândido foi levado ao Hospital Nacional dos Alienados,
no bairro da Urca, onde permaneceu internado por três meses. Depois de
recuperado, foi levado de volta à prisão na Ilha das Cobras, cumprindo pena até
30 de dezembro de 1912.
Impedido de retornar à
Marinha, João Cândido trabalhou em embarcações particulares, sendo
constantemente demitido por pressão da Marinha sobre seus patrões. Passou a
ganhar a vida como pescador e comerciante de peixes na Praça XV. Morreu em
1969, aos 89 anos, vitima de um câncer de pulmão.
Em 1977, Aldir Blanc e
João Bosco homenagearam o líder da Revolta da Chibata compondo o samba
"Mestre-sala dos Mares", interpretado por Elis Regina.
Em 2008, o presidente
Luís Inácio Lula da Silva sancionou a lei federal de número 11.756 concedendo a
anistia póstuma a João Cândido e a outros marinheiros que participaram da
revolta. No entanto, a indenização aos descendentes dos marujos foi vetada pelo
presidente da República.
Video Música http://www.youtube.com/watch?v=n6-i_XQsxCE
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